terça-feira, 30 de setembro de 2014

RELEASE: ARTISTAS FALAM DOS ESTEREÓTIPOS DO NEGRO NA MÍDIA E COMENTAM POLÊMICA EM TORNO DE NOVA SÉRIE DE TV



 Evani Tavares, Fernanda Júlia e Aldri Anunciação (Foto: Lilih Curi)

A noite de segunda-feira (29), no Teatro Martim Gonçalves, no Canela, em Salvador, foi marcada por um caloroso debate acerca da participação do negro no mercado artístico brasileiro. A platéia e os artistas convidados para o bate-papo dessa semana – a professora doutora Evani Tavares, a diretora do Núcleo Afro brasileiro de Teatro de Alagoinhas (Nata), Fernanda Júlia, e o dramaturgo e ator Aldri Anunciação – assistiram ao documentário “Em Quadro: A História de 4 Negros nas Telas” (2009)” e, logo depois, apresentaram suas reflexões sobre o tema. O filme conta um pouco da trajetória dos atores Ruth de Souza, Zezé Motta, Lea Garcia e Milton Gonçalves.

A exibição do documentário faz parte do Projeto Cine-Teatro na Escola. Esta foi a quarta vez que o Projeto realizou o encontro entre professores, artistas, estudantes e amantes das Artes Cênicas. Já foram exibidos os filmes “Mário Gusmão: O anjo negro da Bahia”, junto com o curta metragem ODU (08/09); “Slava’s SnowShow (15/09)”; e, mais recentemente, “A Aventura do Théâtre du Soleil (22/09)". Na próxima segunda-feira (06) será exibido o documentário “A Vida de Bertolt Brecht”.

Na ocasião, o mediador do bate-papo, Ronaldo Magalhães, instigou os convidados a analisar como o negro é retratado no mercado artístico, numa referência a citação, presente no documentário, do diretor Joel Zito Araújo de que quando o branco está nas telas faz papel de ser humano e o negro faz papel de negro. A primeira a responder foi a professora Evani Tavares. Para ela, estes estereótipos já fazem parte do senso comum, como se isso fosse uma coisa normal. Ela acredita que o filme apresenta o humanismo disso tudo, ao mostrar como o ator negro é violentado através do estereótipo.

No longa metragem exibido na noite, os atores citam o ator Grande Otelo, que foi obrigado a representar sempre o cara engraçado e/ou alcoólatra. Outros estereótipos difundidos pela mídia, lembrados no encontro, são: do negro como criminoso; mãe ou pai de santo;  empregada doméstica; e escravo.

Ainda na percepção de Tavares, o caminho para mudar esse quadro é uma nova aprendizagem. “É importante a gente saber que a gente consome um pensamento... Temos que sair para ouvir o outro”, afirmou ao propor uma reflexão sobre o atual discurso desfavorável aos negros propagado pelo sistema midiático.

A diretora do grupo Nata, Fernanda Júlia, por sua vez, começou sua fala tecendo um elogio a iniciativa do Projeto. “Estar no Martim Gonçalves para falar do papel do negro nas telas é uma satisfação imensa, pela relevância e olhar crítico”, comentou. Ela ressaltou que sempre pensa na história dos artistas negros, em tudo o que eles fizeram para que ela pudesse chegar onde está. E ressaltou que é importante destacar as conquistas que os artistas negros já conquistaram, não só no mercado artístico brasileiro, mas também mundial, para entender que houve avanços.

Contudo, Fernanda Júlia reiterou que “o sistema não nos quer. A Globo em toda a sua história não vai fazer com que sejamos representados de outra forma. A Constituição Brasileira não nos inclui”, pondera. Ela exemplificou sua avaliação ao citar a novela das 18h da Rede Globo, “Lado a Lado”, que apresentou protagonistas negros, porém em várias novelas seguintes foram apresentados atores brancos, como é o caso da novela “Flor do Caribe”. “Agora, sou eu que não quero a Globo. Eu não quero mais ser incluída pela Globo. Não me cabe. Ela não me representa”, dispara. Ela ainda completa: “Ou a gente começa a construir um canal onde o negro possa contar suas histórias, ou teremos que nos submeter”.

Na visão do dramaturgo e ator Aldri Anunciação, deve existir um canal de comunicação dentro da estrutura midiática para que haja uma negociação. Sobre o funcionamento desse sistema de mídias, ele afirma que “sempre procurou entender porque as coisas terminavam daquele jeito e eram dessa forma... Acabo identificando. Existe uma maneira, um canal, que vai me ligar àquelas pessoas para me comunicar com toda a estrutura. Sempre acredito que deve existir um espaço de negociação que poderei me comunicar e entrar nessa estrutura. E também com o público”, revela.  

Presente na platéia, o jornalista Raulino Junior provocou os convidados a avaliarem a polêmica série da Rede Globo “Sexo e as Nega”, do autor Miguel Falabella. O ator Aldri Anunciação, que fez uma participação na série, defendeu que é importante que séries desse tipo aconteçam para que a sociedade possa se posicionar a respeito. De acordo com ele, se essa obra fosse uma novela talvez houvesse a possibilidade de mudanças dos personagens. “Se fosse uma novela as coisas aconteceriam em diálogo com o público”.

Sobre o conteúdo do texto dramatúrgico da série, Aldri acredita que existem “defeitos na dramaturgia, mas a meu ver é uma crítica mais ao gênero de escrita do que de racismo. Tem um personagem que é racista, mas não vejo nada de errado”. Ele continua, dizendo que “quatro protagonistas negros é difícil do sistema engolir”, por isso é uma conquista baseada nos esforços dos quatro atores retratados no documentário exibido na noite (Ruth de Souza, Zezé Motta, Lea Garcia e Milton Gonçalves). “Eles trabalharam para que o protagonismo negro acontecesse”, afirma.   

No entanto, para a doutora Evani Tavares “a cultura funk carioca é que é o protagonista. O protagonismo negro não existe”, no que se refere ao discurso. Na oportunidade, Aldri reiterou que o protagonismo citado por ele é em relação a ação dos personagens na trama e não do ponto de vista do discurso apresentado.

Para encerrar, a diretora Fernanda Júlia disse que o único ponto positivo do programa foi a movimentação nacional que foi gerada, principalmente nas redes sociais, de boicote a série. Para ela esta obra televisiva é “um desserviço” e não aponta futuro nenhum. “Isso só forma a juventude da periferia que quer entra na Globo para ser celebridade, e não artista”, concluiu.  


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