terça-feira, 14 de outubro de 2014

RELEASE: REALIDADE E FICÇÃO SÃO CONFRONTADAS APÓS “JOGO DE CENA”

Atrizes Evelin Buchegger e Deusi Magalhães (Lilih Curi)


Quem esteve no Cine-Teatro na Escola na noite desta segunda-feira (13) se emocionou com as histórias reveladas no documentário “Jogo de Cena” (2007), do diretor Eduardo Coutinho. O filme, exibido no Teatro Martim Gonçalves, promoveu uma reflexão do que é realidade e do que é ficção. E também do quão verdadeiro o ator/atriz pode ser ao dar vida a uma personagem ficcional ou real.

Para discutir o longa metragem, estiveram presentes a atriz Evelin Buchegger e a diretora e atriz Deusi Magalhães. Esta foi a sexta vez que o projeto realizou o encontro com professores, artistas e estudantes. Já foram exibidos os filmes “Mário Gusmão: O anjo negro da Bahia”, junto com o curta metragem ODU (08/09); “Slava’s SnowShow (15/09)”; “A Aventura do Théâtre du Soleil (22/09)"; e “Em Quadro: A História de 4 Negros nas Telas (29/09)”, e “A Vida de Bertolt Brecht” (06/10). Na próxima segunda (20), às 18h30, será exibido o filme “Grupo Galpão” (2009), de André Amparo e Kika Lopes. A entrada é gratuita ao público em geral.

Logo no início do bate-papo, Deusi comentou que a realidade pode surpreender mais do que a ficção. Ela recordou o ataque as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, em 2001, que parecia inimaginável até mesmo em filmes. Para ela, “a realidade na verdade tem várias realidades”. Ao citar conceitos contidos em dicionários - de que a realidade tem haver com o que existe de verdade, com o que é material - ela argumenta: “Mas os sonhos, as crenças também existem e não são materiais”. 

A diretora continua sua análise explicando que nosso olhar é fragmentado e, consequentemente, a realidade também será. De acordo com Deusi, não há uma realidade única. “São várias realidades ficcionais que constroem uma narrativa outra”.

Da relação cinema e teatro, nesse contexto entre realidade e ficção, Deusi Magalhães diz que o cinema (originado a partir dos inventos dos irmãos Lumière) “nasce pensado como uma forma documental”. Os irmãos Lumière queriam retratar fatos cotidianos da realidade e não de ficção. 

No entanto, Méliès, que já tinha experiência com o teatro, deu outro sentido ao cinema, criando uma ficção a partir da realidade. “O teatro sempre trouxe para o cinema toda a base”, destaca. Segundo a atriz, o cinema mudo, por exemplo, é muito teatral, tem muitos gestos. 

Em se tratando do gestual, ela afirma que o teatro é a vida em ação. “Você constrói um personagem, constrói um corpo [...]. Por mais que eu trabalhe a construção do movimento, baseado numa partitura, eu preciso colocar uma realidade, uma intuição, uma emoção”.

A atriz Evelin Buchegger, por sua vez, começa afirmando que o documentário é muito sedutor, muito forte, e que o ser humano precisa disso. “Tudo tem um símbolo. Você como ser humano, com sua verdade plena... Ela te transforma. O mais primoroso e transformador é você estar pleno”, diz. Para Evelin, tudo que é verdadeiro contagia. 

Ainda na avaliação da artista, a grande dificuldade do ator é estar sempre traduzindo isso. Ela revela que o ator depende muito do posicionamento do diretor para saber o que ele quer? Qual o objetivo do trabalho? De que forma usar o texto? “A grande onda é saber até quando você vai levar a verdade. Para o cinema, quanto mais verdadeira melhor [o choro, as emoções]. No teatro, nós podemos usar o corpo [na interação com a plateia]”. 

Na ocasião, a atriz revelou uma experiência pessoal que contribuiu para sua atuação artística. “Quando minha irmã se manifestou perto de mim fiquei impressionada, porque tinha outra energia nela. O rosto dela mudou [...], a voz era outra [...]. A partir daí quis levar isso para o palco. Essa energia... Eu queria me transformar assim”, conta. Mas a atriz ressalta que essa transformação tem que ocorrer, se esse for o objetivo do trabalho e não apenas para dizer: “Olha! Como eu sei fazer”.

Nessa relação diretor e ator, Deusi Magalhães complementa dizendo que o ator tenta imaginar o que o diretor quer que ele faça, mas não tem que ser igual ao que o diretor quer. “Eu acho que sempre deve haver uma abertura para a criação do ator. Depende da relação diretor e ator”, pondera.

Um exemplo citado, a partir do documentário, foi o relato da atriz Andréia Beltrão que não queria chorar em sua participação no filme porque queria agir igual a pessoa que narrou a história, mas ela não consegue conter as lágrimas, e diz ter ficado incomodada com isso. Conforme Deusi, “as memórias vão chegando aos poucos. Andréia Beltrão quis fazer exatamente igual [a mulher que narrou sua história], mas ela como pessoa não consegue. Talvez se ela tivesse mais tempo, ela poderia trabalhar melhor essa memória da dor”, acredita. “Toda obra de arte é uma vida em ação”, acrescenta. Já Evelin afirma que o importante é saber o objetivo. “Qual é o objetivo da obra? É ser igual? Pode haver outros objetivos maiores”, declara. 

Tocada com o filme de Eduardo Coutinho, a plateia motivou as convidadas a falarem um pouco do diretor. “Ele é um grande revelador de almas, que buscou tanto... E tem um final trágico, uma realidade trágica”, mencionou Deusi Magalhães, numa referência ao assassinato do diretor pelo próprio filho, que sofre de Esquizofrenia.

No documentário “todos foram desnudados”, conclui Deusi Magalhães. Não só as entrevistadas, mas também as atrizes que participam do filme. E, talvez, até mesmo o próprio diretor.



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